O João caminha diferente. Assim, ó: levanta os pés a parcos centímetros do chão. Sem vontade, quase se arrasta e ameaça tropeçar a cada acidente topográfico da calçada.
Até ontem não foi assim. Agora qualquer inseto, talvez uma joaninha, pode ser vítima de assassinato e, ao mesmo tempo, pode matar nosso João, ou pode ser uma tentativa de crime coletivo.
Antes, caminhava a passos lentos, é verdade, mas decisivos rumo ao bar. Todas as tardes. Bebia, mal conversava e saía.
Vem a passos arrastados, olha para o chão, quer desviar da joaninha e sente as pernas pesadas. Pensa. E que pensamento pode levar um homem a se arrastar pela calçada?
-Mulher!
Feito e dito: ela tem os olhos mais belos do mundo. Ai, suspira o João. E se arrasta, e a cada passo maldiz o olhar danado.
Sobre a boca não quer nem falar, ou pensar, ou misturar tudo e pensar e falar baixinho: tem um desenho de coração na boca. Suspira mais um ai e se arrasta, nem sabe mais se o destino é o bar ou a calçada. Ai.
Quem ousa dirigir alguma palavra ao João, sentado ali naquela mesa? Ninguém, nem o dono apresentou a conta atrasada. Uma dose, ou duas, o burburinho: alguém falou baixinho que os cotovelos doíam.
Um outro fez um sinal de "V" com os dedos, acima da cabeça.
João empurrava o copo, para frente e para trás, para os lados e depois virava na boca e alma doentes. Escravos-de-jó, foi o que lembrou.
Alguém comprou cigarros e sussurrou: “pobre homem... mulher danada”.
Ah, teve um outro que disse “melhor uma na mão que...”. Vaia surda e o bêbado se calou.
João pedia mais uma, com um gesto. Ah, nessas horas o silêncio fala.
O vestido branco surgiu como uma nuvem no céu escuro.
Os olhos mais belos e a boca de coração:
-O que faz aqui, João?
-Só bebendo.
-Tá triste?
-Acho que matei uma joaninha!
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